CLÁUDIA COLUCCI: Para frear gastos, governo planeja mudanças no SUS
Gerir um dos maiores sistemas de saúde do mundo, em momento de recessão econômica, será um dos principais e mais complexos desafios de Michel Temer.
Desde que assumiu interinamente, sua equipe dá sinais de que haverá mudanças no SUS (Sistema Único de Saúde), que hoje atende diretamente 75% da população brasileira.
O atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, já afirmou que o país não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante, como o acesso universal à saúde. Nesta semana, o governo Temer criou um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de revisão da legislação que rege o SUS.
A proposta de limitar gastos obrigatórios também representará um impacto direto no sistema público de saúde. Hoje, pela Constituição, o governo federal tem que aplicar no mínimo 13,2% de sua receita líquida em saúde. Com a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sugerida pelo governo, a saúde deixaria de ter uma garantia de percentual de receita.
A União cumpriria um valor mínimo (ainda não foi especificado) que seria corrigido anualmente pela inflação. Segundo especialistas do setor, se a PEC for aprovada, os cortes girariam em torno de R$ 44 bilhões a menos para o SUS a partir do próximo ano. O Orçamento de 2016 ê de R$ 118 bilhões. Além do corte de programas básicos, como o Farmácia Popular, isso pode significar mais demora para atendimentos e cirurgias no sistema público.
O momento não poderia ser pior. Em razão da crise econômica e do desemprego, a previsão é que perto de 2 milhões de pessoas terminem o ano de 2016 sem planos de saúde e terão que bater na porta do já subfinanciado e sucateado SUS. O país já gasta pouco com saúde, menos do que a média mundial. A maior parte do gasto vem do setor privado. Dos 8,5% do PIB investidos, 4,9% são da iniciativa privada e apenas 3,6% do poder público.
Mas qual a saída para garantir mais dinheiro? Entre as sugestões de especialistas estão a taxação de grandes fortunas, a sobretaxa de produtos que causam doenças como refrigerantes e cigarros e menos renúncia fiscal.
O combate às epidemias de dengue, zika e chikungunya, ligadas ao mosquito Aedes aegypti, também é outra prioridade. Para isso, além da verba, é preciso que o Ministério da Saúde melhore o controle e a fiscalização das ações de prevenção executadas por municípios e Estados.
Os desafios pela frente são inúmeros, mas, em se tratando de cortes em saúde, seria salutar que o governo Temer recorresse aos ensinamentos de David Stuckler, economista de Oxford, que estudou a política econômica de austeridade em 27 países.
Seu trabalho gerou o chamado “multiplicador fiscal”, que mostra quanto se consegue de volta com diferentes gastos públicos.
“Saúde é oportunidade de gerar economia e crescer mais rapidamente. Se cortar em saúde, gera mais mortes, aumento e surtos de infecções por HIV, TB, DIP, aumento dos índices de alcoolismo e suicídio, aumento dos problemas de saúde mental, risco de retorno de doenças erradicadas. Governos deveriam investir mais em saúde em tempos de crise, para sair dela.”
Folha de São Paulo – 31/08/2016