Brasileiros na fila do osso: o impacto da fome na saúde

É muito difícil para quem não precisa se preocupar com o que comer no dia de amanhã imaginar o que significa não ter leite e passar fome; ver os filhos pequenos chorando pelo estômago vazio ou pedindo um prato de comida. As imagens de uma fila quilométrica em um açougue no Mato Grosso para receber osso e de cariocas garimpando restos em um caminhão de ossos e pelancas descartados por supermercados chamaram atenção para o retrato da fome no Brasil.
Nosso país, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) saiu do mapa da fome em 2014. A conclusão foi baseada em dados de 2001 a 2017 e mostrou que, no decorrer de 15 anos, a pobreza foi reduzida em 15% e a extrema pobreza em 25%.
Mas o Brasil voltou a frequentar esse mapa vergonhoso sob o impacto da pandemia. A condição vinha se deteriorando mesmo antes do surto de Coronavírus. O atual governo manobra cortes orçamentários dos programas sociais, crises políticas internas afetando a economia nacional, falta de trato e diplomacia nos relacionamentos internacionais, causando dificuldade em negociações tanto na aquisição como na venda de produtos para exportação. A pandemia só apressou e piorou essa situação. Para a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo, Elaine, “o negacionismo do governo Bolsonaro vai além das questões da saúde e da ciência. Se estende para a economia e sua falta de entendimento das necessidades do povo permite que a inflação chegue a níveis que superam os dois dígitos, o desemprego aumenta significativamente, os salários perdem valor e o consumo de alimentos diminui”.
Cerca de 41% da população brasileira, ou 84,9 milhões de pessoas, viviam com fome ou algum grau de insegurança alimentar entre 2017 e 2018, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE. Esse número corresponde a 41% da população; na Venezuela, na mesma época, 33% estavam no patamar da insegurança, segundo dados do Programa Mundial de Alimentos da ONU
Hoje, mais de 125 milhões de pessoas, 59,4% dos domicílios brasileiros, se encontram em situação de insegurança alimentar. O levantamento foi feito por pesquisadores do grupo Alimento para Justiça da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB).
Consequências da fome
A alimentação em quantidade e qualidade inadequada traz impactos à saúde, como enfraquecimento do corpo, prejuízos no desenvolvimento físico e mental e aumento da probabilidade de doenças, o que torna a população ainda mais vulnerável à covid-19.
Segundo Elaine Leandro Machado, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina UFMG e pesquisadora do Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH), a fome tem impactos danosos para o desenvolvimento infantil, principalmente até os quatro anos, afetando crescimento físico, atenção e memória.
A alimentação insuficiente pode acarretar em crianças danos neurológicos, problemas de saúde mental, queda no rendimento escolar, diabetes, obesidade, hipertensão e maior vulnerabilidade a doenças infecciosas como a covid-19.
Por mais contraditório que possa parecer, a obesidade também tem a ver com a fome. A dificuldade para comprar alimentos de boa qualidade faz com que as pessoas acabem consumindo aqueles mais baratos, como massas, gordura e açúcar.
O retardo no desenvolvimento cognitivo também atrapalha o futuro das crianças; a queda no rendimento escolar diminui as chances no mercado de trabalho.
Na pandemia, o fechamento das escolas inviabilizou o acesso à alimentação, deixando sem merenda escolar as crianças que, muitas vezes só tinham um prato de comida na escola. Em casa passam fome, a geladeira está vazia e o desemprego dos familiares agrava ainda mais a situação.
Um estudo recente da Universidade da Califórnia sobre a prevalência de doenças crônicas no Brasil apontou que adultos que passaram fome na infância tinham maior probabilidade de desenvolver diabetes e osteoporose décadas depois.
O impacto da fome no sistema imunológico
A influência é também imunológica para os adultos. A piora na alimentação de muitos brasileiros na pandemia tem impacto direto, segundo estudos e especialistas, na capacidade do corpo de combater invasores como o Sars-CoV-2. E por muito tempo.
Uma dieta equilibrada é fundamental para o sistema imunológico do corpo humano, embora ela por si só não seja capaz de prevenir doenças infecciosas como a covid-19. O que comemos afeta diretamente seu funcionamento e, por isso, como nos sentimos.
O que fazer para acabar com a fome?
O Brasil é um dos países que mais exporta carne e que mais produz alimentos, com uma extensa área destinada à agricultura. “Para resolver o problema da fome precisamos de um governo que olhe primeiro para os brasileiros”, diz a presidente do SEESP Elaine Leoni. “Um governo que tenha credibilidade para tomar medidas que priorizem o mercado interno, que faça o dólar baixar e assim permita aos brasileiros acesso justo aos alimentos”. Ela lembra também que é necessária uma política de geração de empregos e valorização dos salários. “Quem está empregado vê os salários corroídos pela inflação e quem não tem trabalho depende da solidariedade alheia”, conclui.
Os brasileiros precisam comer mas para isso é preciso tirar Bolsonaro do poder, ele não tem credibilidade mundial e nem prioriza seu povo com uma política econômica voltada aos brasileiros.