Cidades com mulheres prefeitas tiveram menos morte na pandemia

 Cidades com mulheres prefeitas tiveram menos morte na pandemia

*Solange Caetano

O desempenho das mulheres durante a pandemia levou quatro economistas brasileiros a publicarem o estudo “Sob pressão: a liderança das mulheres durante a crise da covid-19”, que ainda precisa da revisão de outros cientistas. A conclusão é de que as mulheres no poder durante a pandemia ajudaram a salvar mais vidas do que os homens que ocupam as mesmas funções.

Em entrevista à BBC o economista Raphael Bruce, do Insper, diz que o trabalho investiga se “ter uma mulher na gestão da crise sanitária poderia levar a uma diferença das políticas públicas adotadas e causar desfechos melhores do que ter um homem nessa mesma função”. O interesse pelo tema partiu dos resultados obtidos na Nova Zelândia, onde “apenas” 26 pessoas morrem em decorrência da pandemia. O país passou a ser referência no combate à Covid-19, em 2020.

Considerada a principal responsável pelos bons resultados sanitários do país, a primeira-ministra Jacinta Arden foi comparada a seus pares, como o ex-presidente americano Donald Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro.

No trabalho, Bruce e colegas da Universidade de São Paulo e da Universidade de Barcelona, analisam os mais de 5 mil municípios brasileiros. Primeiro, eles selecionaram apenas os 1.222 municípios que, nas eleições de 2-16, elegeram prefeitos em turno único e em que o primeiro e o segundo colocados fossem de gêneros diferentes. Com esse critério, a análise foi limitada a municípios de até 200 mil habitantes.

Depois, refinaram ainda mais a amostra, de modo a considerar apenas aqueles em que a corrida eleitoral foi acirrada — e a margem de vitória menor do que 10% do número de votos para a candidata ou para o candidato —, algo que ocorreu em cerca de 700 localidades.

Com isso, chegaram o mais próximo possível das condições de um experimento controlado: em pesquisas de vacinas, por exemplo, a definição de quais participantes receberão uma dose do imunizante a ser testado ou uma dose de placebo é feita por sorteio. Isso evita a possibilidade de que o viés de algum pesquisador na seleção das pessoas e distribuição das doses possa influenciar no efeito causado pelo placebo ou pela vacina.

Eles também olharam para um dado grupo de municípios pequenos e médios, comparáveis entre si econômica e demograficamente, em que a chance de haver um homem ou uma mulher na cadeira de prefeito era praticamente aleatória.

Na sequência, verificaram os dados de mortes e internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) de cada um desses 700 municípios, em 2020, no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), do Ministério da Saúde. Como a distribuição e aplicação de testes para o novo coronavírus variou muito pelo Brasil, os dados de SRAG têm sido adotados como forma de driblar eventuais distorções por subnotificação de casos e óbitos de covid-19.

Os economistas concluíram que municípios dirigidos por mulheres tiveram, em média, 25,5 mortes por 100 mil habitantes a menos do que aqueles em que os chefes do Executivo local eram homens — uma diferença de 43,7% na mortalidade.

Houve uma redução na média de internações de 30,4% em internações por 100 mil habitantes nos municípios com prefeitas em relação ao mesmo dado de cidades com prefeitos.

Para os autores do estudo, se metade dos 5.568 municípios do Brasil fossem liderados por mulheres, seria possível esperar que o país tivesse nesse momento 15% menos mortes do que o total acumulado, de mais de 540 mil. Ou seja, mais de 75 mil pessoas ainda estariam vivas. Hoje, menos de 13% das prefeituras do Brasil são comandadas por mulheres.

“Esses dados são válidos para esses municípios pequenos e médios que foram analisados, mas fizemos esse cálculo para mostrar o tamanho da relevância do fenômeno quando a gente pensa em definição de políticas públicas”, afirmou o pesquisador Alexsandros Cavgias, da Universidade de Barcelona.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que os gestores municipais tinham autonomia para adotar medidas em suas cidades. Isso os levou a pensar que a resposta deveria estar em como prefeitos e prefeitas administraram a crise. Por isso, verificaram se as prefeituras ordenaram o uso de máscaras no município, limitaram a circulação em transporte público, proibiram aglomerações, adotaram exigência de cordão sanitário e limitaram o funcionamento de negócios não essenciais. Com isso, queriam estabelecer o que essas mulheres fizeram de diferente para explicar a menor gravidade da pandemia nas cidades administradas por elas.

Descobriram que municípios com mulheres no comando adotaram em uma frequência 10% maior as medidas não farmacológicas de combate à pandemia. No caso das máscaras, o número de prefeitas que determinou uso obrigatório superou em oito pontos percentuais o dos pares homens. Na obrigatoriedade de testes para entrar na cidade, mulheres superaram homens em 14 pontos percentuais. E na proibição de aglomeração, em cinco e meio pontos percentuais.

Os pesquisadores avaliam os motivos pelos quais as mulheres tomaram decisões diferentes e com resultados melhores. Questionam, por exemplo, se a idade menor ou maior de homens e mulheres no cargo poderia ser uma determinante. Não houve, no entanto, diferença significativa quando se comparou os perfis das prefeitas e de seus pares homens.

O perfil ideológico das mulheres também não se mostrou determinante. As soluções para a pandemia tornaram-se bandeiras políticas de determinados grupos. A direita conservadora, liderada por Bolsonaro, condenou reiteradamente a adoção de medidas como uso de máscara e restrição do comércio e de aglomerações. “Mas a verdade é que quando olhamos para os dados sobre posicionamento político-partidário, as mulheres prefeitas tendiam a ser até um pouco mais conservadoras do que seus pares homens”, afirma Bruce.

O estudo analisa se as prefeitas poderiam ser, com mais frequência, profissionais da saúde, o que poderia impactar suas decisões políticas nessa área. Isso também não se comprovou verdadeiro. Tampouco as prefeitas tomaram medidas nos anos anteriores que as tivessem deixado em melhor situação que os governantes homens quando a pandemia chegasse, como o aumento de leitos ou de investimento na saúde.

Embora as mulheres prefeitas tivessem, em média, escolaridade mais alta do que os homens prefeitos, a pesquisa mostrou que a adoção de medidas mais rígidas e a redução de mortes e internações não variava conforme o nível educacional, o que também levou ao descarte do fator como possível explicação.

“A verdade é que por enquanto apenas sabemos o que não causa a diferença, mas não conseguimos determinar o que está por trás do fenômeno”, afirma Bruce.

A BBC ouviu Jessica Gagete-Miranda, pesquisadora de políticas públicas da Università’ degli Studi di Milano Bicocca, na Itália, que leu o estudo a pedido da BBC. Ela diz que a explicação para o fenômeno pode estar em uma característica frequentemente associada ao gênero feminino na literatura científica: a maior aversão ao risco.

“Já existem pesquisas mostrando que mulheres, de forma geral, aderiram mais a medidas não farmacológicas de combate à covid-19, como distanciamento social e uso de máscara. Se mulheres de forma geral fazem isso, mulheres prefeitas também devem fazer e essas últimas têm poder político para exigir que a população também o faça”, diz Gagete-Miranda.

Para o economista Sergio Firpo, do Insper, que leu o artigo de Bruce, Cavgias e seus colegas, o mérito da pesquisa está em estabelecer a causalidade entre mulheres no poder e menos mortes naquela cidade em decorrência da pandemia. Isso, segundo ele, pode pautar a ação de eleitores e agremiações políticas no futuro.

“É uma falha não ter uma explicação para o fenômeno no trabalho. Mas mesmo que não saibamos o que provoca essa diferença, seria interessante que os partidos e os eleitores observassem esse tipo de coisa para escolher suas apostas, seus candidatos. O ponto é que existem diferenças na gestão entre homens e mulheres e isso é estratégico”, diz Firpo.

Ele cita um trabalho feito pela economista brasileira Fernanda Brollo que concluiu que as mulheres tendem a se envolver em menos casos de corrupção do que os homens. Usando metodologia semelhante à de Bruce e Cavgias, ela cruzou os resultados de eleições de 400 municípios em 2000 e 2004 com as auditorias federais nessas mesmas cidades. Brollo descobriu que os municípios governados por prefeitas apresentavam entre 29% e 35% menos chances de se envolverem em condutas corruptas do que as de seus pares homens.

Mas até agora, isso não garantiu a elas qualquer vantagem competitiva no sistema político. Durante os períodos analisados, as prefeitas receberam entre 30% e 55% menos recursos eleitorais para suas campanhas. A probabilidade de serem reeleitas ficou cerca de 20% abaixo da dos candidatos do sexo masculino.

O sistema de cotas foi criado em 1995 para garantir que os partidos políticos destinem um percentual de candidaturas a mulheres em eleições parlamentares proporcionais. Mas não existe qualquer previsão de reserva de vagas para mulheres na disputa para o Executivo — e o funcionamento do sistema de cotas atual tem se mostrado pouco eficiente para aumentar a presença delas em cargos eletivos.

O fato é que as mulheres precisam de mais espaços na política, de reserva de vagas no legislativo para que possam se destacar e ampliar sua liderança e, dessa forma, conquistar mais cargos no executivo. O Brasil e a população só têm a ganhar com o aumento da participação política das mulheres.

Os resultados da pesquisa sobre a atuação delas na pandemia é apenas um dos aspectos. Certamente muitos outros existem e as mulheres precisam de oportunidades. A legislação, os partidos políticos e até mesmo a população devem compreender que todos ganham com a maior participação política das mulheres.

Solange Caetano é secretária-geral do SEESP

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