ENTREVISTA COM O PROFESSOR E DESEMBARGADOR LUIZ EDUARDO GUNTHER

 ENTREVISTA COM O PROFESSOR E DESEMBARGADOR LUIZ EDUARDO GUNTHER

Para uma melhor compreensão de todos os profissionais acerca da Reforma Trabalhista e da Contribuição Sindical, o Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo conversou com o Professor do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA e Desembargador do Trabalho do TRT9-PR, Dr. Luiz Eduardo Gunther. Dr. Luiz é Pós-Doutor pela PUCPR, Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e do Centro de Letras do Paraná, e Coordenador do Grupo de Pesquisa que edita a Revista Eletrônica do TRT9 (http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/). Confira nossa conversa:  

O senhor afirma que a reforma trabalhista nasceu nos ambientes patronais. Pode nos dizer o porquê?

Resposta: Há um documento denominado “101 Propostas para Modernização Trabalhista”, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria e publicado em 2012 que inspirou grande parte da reforma trabalhista. Além do mais, toda a tramitação da reforma foi apoiada explicitamente pelos grandes empresários e pelas principais entidades sindicais patronais. O argumento principal fundava-se na afirmação de que só mudando a legislação trabalhista haveria a redução do desemprego.

Qual foi o principal tema da reforma para o senhor?

Resposta: A reforma trabalhista modificou mais de cem dispositivos da CLT. Alterou os aspectos do Direito Individual do Trabalho, do Direito Processual do Trabalho, do Direito Coletivo do Trabalho. O grande impacto, contudo, se deu na área dos sindicatos. Por um lado estabeleceu que em algumas hipóteses o negociado deve prevalecer sobre o legislado, isto é, atribuiu grande responsabilidade às entidades sindicais dos trabalhadores. Por outro lado, a reforma enfraqueceu os sindicatos dos trabalhadores quando retirou a obrigatoriedade do desconto da contribuição sindical pela empresa, quando eliminou a necessidade de homologação – assistência às rescisões contratuais – e estabeleceu a possibilidade do termo de “quitação anual de débitos trabalhistas” perante os sindicatos dos trabalhadores e quando negou a existência da ultratividade das normas coletivas.

Como a retirada da ultratividade das normas coletivas pode afetar o trabalhador?

Resposta: O Tribunal Superior do Trabalho vinha entendendo, conforme sua Súmula 277, que “as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais do trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”. O fundamento do TST está no §2º do art. 114 da Constituição Federal, que determina que devem ser “respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente” (EC 45/2004). Em outras palavras, quando cessa a vigência formal de uma norma coletiva pela ultratividade, ela continua valendo até que venha nova norma coletiva. Isso parece evidente, de bom senso, para não surpreender o trabalhador, que perderia vantagens de um dia para o outro porque a nova negociação coletiva demorou a acontecer. Na Europa, de um modo geral, aplica-se o princípio da ultratividade. Na Argentina também. No Brasil, o STF, na ADPF 323, suspendeu os efeitos das decisões da Justiça do Trabalho sobre a ultratividade das normas coletivas. E agora a reforma trabalhista proíbe a ultratividade. Penso que isso é altamente prejudicial ao trabalhador, que, a cada norma coletiva não renovada, será prejudicado. Essa situação poderia ou deveria, inclusive, poder ser negociada em cláusulas de normas coletivas, o que é, agora, vedado pela reforma.

Por que não podemos dizer que a contribuição sindical acabou?

Resposta: Basta uma leitura atenta dos arts. 578 e seguintes da CLT. O que foi modificado nesses dispositivos, simplesmente, foi a compulsoriedade dos descontos em folha de pagamento. Antes o empregador era obrigado a descontar os valores da contribuição e recolhê-los aos bancos credenciados. Agora esse desconto, pelo empregador, depende de uma autorização prévia e expressa. Tanto a contribuição sindical não acabou que os valores a ela relativos, e os partilhamentos posteriores para sindicatos, federações, confederações, centrais sindicais e Fundo de Amparo ao Trabalhador continuam válidos. O que mudou, frise-se, é que precisa, agora, haver uma autorização para que esse desconto possa ser efetuado pelo empregador, que antes era compulsório. Apenas isso… então, a contribuição sindical continua existindo, embora a reforma tenha criado dificuldades para as entidades sindicais dos trabalhadores.

A autorização para descontar a contribuição sindical do trabalhador precisa ser individual?

Resposta: Entendo que não. O tema é polêmico, porém, e a tendência é que irá aos Tribunais do Trabalho para ser resolvido. A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – ANAMATRA, na Segunda Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada no início de outubro de 2017 em Brasília, entendeu ser “lícita a autorização coletiva prévia e expressa para o desconto da contribuição sindical”, tanto dos associados quanto dos não associados (Enunciado número 38).

A empresa poderia se recusar a fazer esse desconto, argumentando que a autorização deve ser individual em caso de ter sido via assembleia da categoria?

Resposta: Penso que não. Se a assembleia sindical dos trabalhadores, convocando associados e não associados, decidir pela autorização coletiva, ela deverá ser aceita pela empresa. Sei que a matéria tem interpretação divergente. Parece-me, no entanto, ser indevido que a empresa queira que o trabalhador assine autorização individual para esse desconto. É uma forma de interferir na liberdade sindical, de cooptar o trabalhador para não se filiar ao sindicato. Por isso, no encontro da ANAMATRA em Brasília decidiu-se que: “o poder de controle do empregador sobre o desconto da contribuição sindical é incompatível com o caput do art. 8º da Constituição Federal e com o art. 1º da Convenção 98 da OIT, por violar os princípios da liberdade e da autonomia sindical e da coibição aos atos antissindicais” (Enunciado 38 – item III). A empresa não pode interferir na decisão tomada em assembleia geral da categoria. Recorde-se que o inciso III do art. 8º da CF/88 estabelece que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria”.

Qual princípio básico a reforma trabalhista violou quanto a contribuição sindical?

Resposta: Novamente invoca-se o Encontro Nacional da ANAMATRA em Brasília, onde se reconheceu que, como a contribuição sindical possui natureza jurídica tributária, padece de vício de origem a alteração do art. 579 da CLT por lei ordinária, uma vez que somente lei complementar poderia ensejar sua alteração (Enunciado 47).

Como o não desconto da contribuição sindical pode afetar o trabalhador e o FAT, e por que nesse quesito ela é inconstitucional?

Resposta: Os sindicatos dos trabalhadores, além da contribuição sindical, cobravam a contribuição assistencial com fundamento nas negociações coletivas que geravam vantagens aos trabalhadores, inclusive aos não associados, mas pertencentes à categoria profissional. O STF, na linha do TST, entende que a contribuição assistencial só pode ser cobrada dos associados. Restou a contribuição sindical. A se exigir a autorização individual dos trabalhadores para o desconto pelas empresas, cria-se mais uma dificuldade para as entidades sindicais. Qual a consequência disso? Enfraquecimento dos sindicatos dos trabalhadores, que veem reduzidas sensivelmente suas receitas e não poderão prestar os serviços que vinham prestando a toda a categoria, pois isso exige toda uma organização de pessoas qualificadas, que naturalmente precisam ser pagas. Além disso, não sendo paga a contribuição sindical, há prejuízos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, que é verba pública. Da arrecadação dos trabalhadores, 10% vai para a Conta Especial Emprego e Salário. Da arrecadação das empresas, 20%. Sem esse ingresso, há perda de receita pública. Esses ingressos, que são recursos do FAT, financiam seguro-desemprego, abono salarial, qualificação profissional, dentre outros, bem como programas de desenvolvimento econômico através do BNDES. Assim, pode-se questionar a constitucionalidade dessa modificação legislativa pelo descumprimento do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, incluído pela EC 95/16 (do Teto, isto é, de nítidos gastos públicos), que estabeleceu a necessidade de estudo prévio sobre o impacto orçamentário e financeiro de eventual renúncia de receita pela Administração.

O que está sendo feito atualmente contra essas decisões inconstitucionais?

Resposta: As entidades sindicais, tanto de trabalhadores quanto de empregadores, estão pedindo ao STF para declarar inconstitucionais as alterações quanto à contribuição sindical. São quase uma dúzia de Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Em nenhuma delas, no entanto, foi apreciada a liminar até o momento. Desse modo, enquanto o STF não se manifestar a respeito do assunto, seguem as posições divergentes quanto à interpretação da cobrança/desconto da contribuição sindical. No primeiro grau (Varas) e também no segundo grau (TRT) da Justiça do Trabalho, estão sendo questionados os entendimentos sobre o fim da contribuição sindical. Pelo menos quatro sindicatos de trabalhadores já obtiveram liminares para obrigar as empresas a descontarem o equivalente a um dia de trabalho de todos os seus empregados. Há decisões de primeira e segunda instâncias. Outras liminares podem ser proferidas em breve pela Justiça do Trabalho. O argumento em todas as ações é um só: a reforma trabalhista não poderia ter alterado a contribuição sindical porque é uma lei ordinária (Lei n. 13.467/2017). Por ser um tributo, o fim da obrigatoriedade do recolhimento só poderia ser determinado por lei complementar.

O senhor acha que o trabalhador precisa, agora mais do que nunca, fortalecer seu sindicato? Por quê?

Resposta: Sem dúvida! O trabalhador deve se conscientizar que o sindicato é o único interlocutor que ele tem no seu relacionamento com a empresa. Com o sindicato enfraquecido, quem perde é o trabalhador em muitos sentidos: nas reivindicações, nas negociações, nas orientações. O sindicato é o maior representante do trabalhador, é ele que acompanha tudo o que acontece nas suas relações com a empresa. O enfraquecimento do sindicato significa o enfraquecimento do trabalhador.