Racismo estrutural também se manifesta na Enfermagem

 Racismo estrutural também se manifesta na Enfermagem

Profissionais fazem cartazes em apoio ao colega vítima de racismo no Piaui

Neste 20 de novembro comemora-se mais um Dia da Consciência Negra no Brasil. É um dia que nos faz refletir sobre o racismo estrutural que existe em nosso país e que perpassa os diversos aspectos da vida, estando presente em todas as profissões quando se trata de condições salariais e ocupação de cargos de chefia.

Na Enfermagem, as mulheres negras representam 53% dos profissionais, segundo pesquisa realizada em 2017. Apesar de ter um peso relevante na categoria, elas estão concentradas em postos de nível médio, mais precarizados e com menor remuneração. Quase 60% das técnicas e auxiliares de enfermagem são negras.

O cenário é inverso entre os profissionais com graduação. Nesse caso, 57% das enfermeiras são brancas.

No início do século passado, todo o trabalho de atenção à saúde e cuidado com crianças, adoecidos e idosos era realizado por mulheres negras, escravizadas e indígenas. Mas quando o primeiro curso de Enfermagem foi criado no Brasil, dando início à profissionalização, o acesso era restrito às mulheres brancas. Posteriormente, na década de 30, as mulheres negras voltaram a ocupar níveis médios. Esse processo que fomentou ainda mais a feminização e a exploração da força de trabalho na área da saúde.

Enfermeira aposentada, mestre em Saúde Pública e doutora em Ciências, Alva Almeida sustenta que há uma divisão hierárquica de classe, de raça e de funções dentro da área da Enfermagem. “Temos uma retenção no nível médio dessas mulheres negras que têm muita dificuldade em acessar a graduação por inexistência de políticas que favorecem essa formação”, afirma.

Para ela, “não é possível esperar que haja uma mobilidade apenas pelos sujeitos para uma igualdade racial na profissão. Essa desigualdade, essa racialização, se mantém há quase 100 anos”.

Alva Almeida cruzou os dados da pesquisa Perfil da Enfermagem Brasileira, lançada pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem em 2015 com informações da pandemia e percebeu que quem mais sofria com a crise sanitária era justamente a grande massa de trabalho da Enfermagem brasileira: profissionais do nível médio, em sua maioria mulheres negras. “Eram dados extremamente importantes porque evidenciavam as desigualdades entre as categorias profissionais dentro da Enfermagem e essas desigualdades acompanham a trajetória desses profissionais, inclusive durante a pandemia”, diz.

Diante desses dados, reuniu outras pessoas e fundaram a ANEN (Articulação Nacional da Enfermagem Negra) com o objetivo de combater a desigualdade e o racismo que se reproduziram também na estruturação da Enfermagem ao longo dos anos. 

Mas o racismo vai além. Durante a pandemia houve casos de pacientes que não queriam ser tratados por enfermeiros negros, que os agrediam e constrangiam. 

Em 2019, o médico Sérgio Marciano Leme foi afastado de suas funções no Hospital Municipal de Diadema após denúncia de injúria racial contra a técnica de enfermagem Maria de Lourdes Teodoro dos Santos. A informação foi divulgada pelo Dário do Grande ABC. Ao pedir que um formulário fosse reimpresso para que ela pudesse preenchê-lo novamente, já que o anterior continha uma rasura, ela foi agredida. Na frente de outros profissionais, o médico então disse “essa nega (sic)” merece levar 50 chibatadas.” Indignada, a técnica de Enfermagem respondeu que “os tempos são outros”, mas Leme deixou o local.

Recentemente, no Piauí, um enfermeiro foi vítima de racismo pela mãe de uma paciente durante a vacinação contra a Covid-19. Debochou e proferiu palavras de abaixo calão ao descobrir que o enfermeiro responsável era negro. Foi registrado um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Direitos Humanos e o caso está sendo investigado.

Esses dois casos não são os únicos. Servem apenas para ilustrar as dificuldades que os profissionais negros enfrentam numa sociedade racista.

Para a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo, Elaine Leoni, várias medidas ainda precisam ser adotadas para superar o racismo estrutural. “O racismo é tão naturalizado em nossa sociedade que nem sempre as pessoas se dão conta que são vítimas.  Precisamos de políticas públicas que garantam às pessoas pretas melhores condições para estudar, trabalhar e sobreviver. Além disso, é fundamental que as leis antirracistas sejam cumpridas e que as penas sejam severas para os crimes de racismo. Devemos incentivar que as vítimas denunciem porque certamente as denúncias já feitas não representam a totalidade desses crimes”, afirma.

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